(fotos por Pedro Antunes)
“Até aos 110km foi pura diversão, depois fiquei sem agua e contiuei a divertir-me, depois fiquei sem track de GPS e aí é que foram elas…”
O sumário diz tudo, o que se segue abaixo são apenas detalhes de valor informativo duvidoso…
Admito: nada mais mais me faz sofrer por antecipação na aproximação de uma prova do que a perspectiva de que tipo de descidas vou encontrar. Um percurso em que no grafico de altimetria se conseguem distinguir cerca de 30 subidas (e descidas) numa zona em que o pouco que conheço mete grandes doses de calhau em todas as variantes (grande, pequeno, solto, bicudo, escorregadio…) é uma visão que diria ser no minimo arrepiante.
Na noite anterior o director de prova disse-me que considerava este percurso mais dificil do que o da Serra da Estrela, eu tb já esperava que fosse, mas provavelmente não concordamos pelos mesmos motivos… E pronto lá fui para casa a recapitular a estratégia para o dia seguinte: “Não me cansar nas subidas a fim de ter paciencia para aprender a gostar das descidas… E concentrar-me na atitude de quem vai para fazer um estágio de técnica e não para ganhar a prova…”
Obvio que não dormi grande coisa, e às 6h30 lá estacionei debaixo da ponte Vasco da Gama, não me lembro de alguma vez ter chegado a uma prova e ver toda a gente de frontal na testa e quase me senti deslocado por não ter levado o meu, mas pronto lá aprontei a bicicleta no escuro e fui ver se via alguém…
Depois de trocar umas bolas com os suspeitos do costume e mais uns que se foram juntando ao grupo lá chegou a hora de partir... Já sabia do dia seguinte que tinham cortado a parte inicial junto ao Trancão (o inicio do Caminho de Fátima) por causa da lama caracteristica da zona e que iriamos ter uns km de andamento controlado, portanto estava tranquilo quanto ao aquecimento…
Diria que nesta fase o andamento foi demasiado controlado, mesmo para aquecimento… Paramos várias vezes para reagrupar o pessoal e mesmo assim houve pessoal que se perdeu e entrou no percurso ao contrário (O Carlos Carvalho e o PP foram uns dos desafortunados)…
Aqui pelo meio o Gamito passa por mim e atira-me um bem disposto: “então vamos dar uma voltinha?”… Respondi: “sim, mas ouvi dizer que a minha é maior do que a tua”… Mais à frente seguia o João Marinho, mais silencioso e reservado… Realmente são 2 estilos completamente diferentes de partir para uma prova e vá-se lá saber: ambos levam à vitória…
E pronto, lá nos deixaram partir a seguir à parte enlameada do Trancão, o par de km que se fizeram a rolar foram estranhamente calmos para uma prova, o Gamito continuava um par de metros à minha frente numa amena cavaqueira… O Joáo controlava a frente do pelotão… Só na primeira rampa ainda em asfalto é que a coisa esticou mais um pouco, na entrada em terra o João Marinho deu o mote de quem ia para ganhar, o Gamito tb tentou seguir, mas saltou-lhe a corrente e obrigou-me à primeira manobra radical do dia…
Infelizmente eu nunca me me lembro do nome dos sitios, mas entramos pela mata do não sei quantos e subimos pelo caminho que vai ter à descida que desce para os Pneus, houve sitios que achei serem novos, mas o Ricardo lembrou-me que já tinha passado por ali com ele… O piso estava pesadito, com a lama a transformar os meus pneus 2.1 nuns 2.5 pelo menos…
Já há algum tempo que não fazia a descida “das lombas” para os Pneus, obviamente que aqui acabou o meu contacto com o pessoal da frente e começou a passar toda a gente por mim, a quantidade de lama agarrada ao meu pneus da frente metia medo e provavelmente abrandei demais a ponto de o pneu de trás não conseguir expelir a lama e ficar completamente bloqueado na escora… E pronto foi só a primeira paragem técnica do dia …
Tb já não fazia a subida dos Pneus há algum tempo, pareceu-me mais facil do que aquilo de que me lembrava… No caminho para o parque éolico dava para ver que apesar dos prognosticos até parecia que o dia não ia ser mto mau (e não foi)… Daqui até ao topo do cabeço de Montachique é terreno conhecido e tirando a breve descida é sempre a subir até lá acima, portanto lá fui no meu ritmo mais ou menos contido, mas suficiente para recuperar algumas das posições que perdi na primeira descida, no topo do cabeço ainda vi o Ricardo, mas seguiu-se a descida para Lousa e… Não é preciso dizer mais nada…
Apesar de tudo fiquei feliz com esta descida, só perdi duas posições, e correu mto melhor do que na ultima vez que a fiz com o Jorge Damas há umas semanas atrás (com a Scale, suspensão nova e problemas na coluna de direcçao)…
Em Lousa comecei por me enganar 2 vezes no caminho (os tracks do TPG fazem tanta falta) e entrei no desconhecido… Daqui até ver o mar a coisa foi como esperava: sem pontos de referencia e sem a capacidade de associar nado do que tinha à frente ao que quer que fosse do grafico de altimetria, só os km que passavam devagar davam algum indicio da progressão, as subidas e as descidas sucediam-se sem grandes planos para rolar e apesar de tudo o meu ritmo animado, mas não muito esforçado mantinha-me divertido, tb estava a conseguir descer tudo o que me aparecia pela frente, sempre mais lento do que o resto do pessoal, mas acabava por ganhar mais posições a subir do que as que perdia a descer, portanto, tirando as dezenas de vezes em que falhei na navegação a coisa estava a correr bem…
Estranhamente para uma prova longa deste tipo e só com 80 participantes, raramente andei sozinho neste periodo… Algumas vezes com os rapazes da Pensão David de São Pedro do Sul e depois com o Francisco Carneiro que acabamos por alcançar numa subida mais longa… Entre diferenças de ritmos e enganos na navegação de uns e outros fomos praticamente sempre juntos até ao mar…
Há um single track espectacular por cima da praia da Foz do Lizandro, só é pena se tão curto (deve ser mesmo bom porque quando olhei para trás não vinha lá ninguém)… De qualquer forma percebo porque é que o percurso teria de ir até ali… Contas feitas: tinha passado do meio, ia entrar na parte supostamente mais técnica e continuava a sentir-me bem, o unico problema foi que as ultimas 2 fontes assinaladas no track não tinham agua e a proxima era só depois de passar a parte escabrosa, o que vale que não estava calor (antes pelo contrário)…
Diria que as maiores dificuldades da parte mais técnica são a subir: duas calçadas uma perto que Cheleiros (que já fiz a descer num Cascais Mafra com o ZP o Rapaz e o meu irmão) e outra perto de Montelavar, não sei se num dia normal alguma delas se fará a pedalar, e sinceramente acho um capricho estupido da organização inclui-las no percurso principalmente quando há opções… A descer lembro-me da unica descida do percurso em que desmontei: um caminho estreito com terra e mta pedra solta… E de resto é um trexo divertido: há descidas com pedra e subidas técnicas, saltos e drops, há single tracks e zonas rapidas, uma em especial ao longo de um curso de agua que é simplesmente fantástica…
Aqui pelo meio fiquei sem agua no Camelback, e fui usando o Perpetuem que mne restava para me hidratar, mas mesmo esse não durou muito tempo, o que vale é a temperatura baixou mesmo muito e cairam algumas gotas de chuva…
Na entrada da povoação seguinte enquanto olhava à volta à procura de um café ou de uma casa com alguém à porta a quem pudesse pedir água olho para o GPS e vejo que o track tinha acabado!… Zoom Out, Zoom In, liga desliga e nada… De repente fez-se luz (ou “caiu a ficha” como se diz no Brasil): uma observação inocente num mail da organização: “O sentido do percurso está invertido para se poder fazer o track back/navegação” … Isto quer dizer que no modo em que normalmente uso o GPS (acho que não sou só eu), quando a memória de 10k pontos se esgotou ele começou a apagar a parte final do track … Ora que grande merda!!!…
Seguiram-se uns segundos de panico em que parecia que toda a energia que tinha guardado para a parte final do percurso se me tinha congelado nas veias e… Tinha duas opções: ou esperava por quem vinha atrás ou chamava o carro de apoio. Até ali tirando o fotografo, não tinha visto ninguém da organização, portanto imaginei que se dependesse deles ia ter de esperar mesmo mto tempo…
Tinha passado outro concorrente há pouco tempo, portanto ele chegou rapidamente ao pé de mim e fui com ele até à fonte e esta finalmente tinha agua… Como ele não parou tive mesmo muito tempo para abastecer, beber, beber mais, comer um gel, um Banana Bread… Esperar… Desesperar… “Bolas, será que sou o ultimo???…”
E lá chegaram 3, segui com 2 deles… Ambos finishers do ultimo TPG, inscritos no Tranpyr… E um deles, não me lembro do nome, fez a etapa de testes do TPG no ano passado connosco e lembra-se de nós todos (mais ou menos: confunde-me com o Jorge Damas, e lembra-se do baixinho e magrinho, mas de quem se lembra mesmo é do Nuno Rapaz – go figure!!!)…
As minhas pernas acusaram a paragem, mas logo agordaram para ter de as acalmar de seguida… Claramente não seguiamos no meu ritmo de subida, nem a rolar… Eeeeee… Nem a descer (mas ao contrário)!!!… Acabei por os perder numa descida nas “serras” entre Negrais e Caneças, em que eles viraram num cruzamento fechado e eu fui em frente… Só quando cheguei a uma cancela fechada é que percebi que os tinha perdido…
Voltei para trás e encontrei um algarvio que já conheço de outras andanças. Costuma arrancar a fundo no SRP160 e apanho-o morto por volta do km 100, em contrapartida desce como um animal, e claro está que tb o perdi, desta vez numa entrada em asfalto em que já não dava para seguir os rastos dos pneus…
Espero, chega o proximo, completamente alucinado com o GPS e sempre a dizer que via coisas no ecran que eu não imagino o que sejam (ou é uma feature dos modelos recentes ou era mesmo alucinação)… Bom a rolar no alfalto, mas morto na subida que se seguiu, por sinal a ultima e que tinha mais um segmento de push bike considerável só porque sim e porque até ali a malta até nem tinha andado a pé…
Obviamente que a esta hora, ja sem adrenalina e com todas as paragens e esperas a minha paciencia começava a escassear e o meu foco nas descidas já era uma ténue recordação do passado… Obviamente que tb perdi este num cruzamento em que fui em frente e acabei perto das portagens da Crel em Odivelas Norte. E eis que o diabinho me sussurra ao ouvido: “daqui até casa é sempre a descer”… As minhas pernas não pensaram muito porque sem eu perceber o que se estrava a passar voltei para trás à procura de mais um!…
Desta vez encontrei o Helder que conheço do TPG e do Brasil, e enquanto deu segui-o na descida pelos terrenos do Palacio do Correio Mor, mas houve um single track que tive de meter o pé no chão e pronto… Acabei na Nacional 8, mais uma vez sem saber para onde ir e com a tentação de saber o caminho para casa (15 minutos a rolar com calma)… Fui esperando e desesperando 5 minutos de cada vez…
E pronto chegou o meu ultimo companheiro de jornada: cansado e com uma escora a desintegrar-se, imaginei que este não deveria conseguir escapar-se a descer, mas tb já não havia muito a descer, paramos várias vezes para ele apertar a escora, e lá fomos andando… Lembro-me de virmos a rolar serenamente no verde da Leziria já com o céu a escurecer e a pensar para mim: “bolas nem posso dizer que apanhei um grande empeno, parece que estou pronto para outra”… Mas ao mesmo tempo estava feliz por não ter desistido, se há uma coisa que me lembro sempre nestas alturas são as sábias palavras do ZP: “continua e isso fará de ti uma pessoa melhor”…
A 14ª posição no final não é má, mais ainda se pensarmos que houve pessoal a chegar 5 horas depois, é verdade que poderia ter sido melhor, mas pronto não se pode ganhar sempre … Minutos depois de termos chegado começou finalmente a chover…
A titulo de conclusão resta dizer que:
Ao invés do que seria de esperar gostei do percurso, inteiro ou aos bocadinhos é um imenso campo de treinos que espero visitar bastante nos proximos tempos (se bem que com algumas alternativas mais ciclaveis pelo meio)… Este é um daqueles dias em que ou as coisas correm mesmo mal e partimos alguma coisa ou chegamos ao fim a gostar muito da nossa bicicleta e de facto, apesar de todos os defeitos e problemas crónicos, eu gosto muito da Spark…
A organização mostrou-se muito mais diminuta do que na prova da Serra da Estrela, aparentemente é um sinal dos momentos de crize que vivemos, mas sinceramente acho que para além de 3 pessoas serem poucas para controlar um evento destes, há questões que têm de ser garantidas (tipo: as fontes que aparecem no track têm de ter agua! - contei 3 em que isto não aconteceu)… A questão do track de GPS é um “detalhe” que prometeram não voltar a repetir… No final parece que tudo correu bem para todos, mas penso que houve muita sorte à mistura…
Perpetuem e geis da SIS continuam a ser do que melhor que há para o meu motor em provas de longa duração…
Hoje ainda me lembro das subidas parvas feitas a pé, e da cena do GPS, mas o que me lembro mais é mesmo de me ter divertido a brava …